Um bando de imigrantes americanos realizou há 50 anos o sonho de todo perna-de-pau: ganhar dos "melhores do mundo
Por Max Gehringer
Quem um dia já calçou um par de chuteiras e jogou num time razoavelmente organizado (ou seja, um que tenha ao menos disputado campeonato, nem que seja num daqueles torneios em que tem mais gente jogando do que assistindo) sabe que fazer parte de um time invencível, que nunca perde de ninguém, é a glória.
Mas que o melhor, mesmo, é jogar naquele timinho perna-de-pau, que entra para perder de pouco, mas que, um belo dia, por uma dessas trapaças do destino, vence o time invencível.
Ah, "aquele" jogo... Muitos anos depois, ele ainda será um assunto infalível em conversas de boteco. Contado não só pelos que ganharam, mas - e com a mesma intensidade - também pelos que perderam:
"Me explica de novo, como é que nós conseguimos perder para aquele timinho, como era mesmo o nome?" Isso chama "zebra". E "zebra" é uma dessas raras gírias que sobrevivem ao tempo, num país em que a vida útil de uma gíria é mais curta que carreira de goleiro frangueiro.
Mas ainda não apareceu palavra melhor para explicar o inexplicável. Ela foi inventada por Gentil Cardoso, folclórico centroavante que um dia virou técnico, não
menos folclórico.
"Que bicho deu?" era uma expressão popular muito em moda na época de técnico Gentil, e significava "O que aconteceu?". E ele, tentando explicar como seu time havia vencido um jogo impossível de vencer, saiu-se com a pérola de que o bicho que tinha dado dentro do campo naquele dia nem sequer figurava na lista dos 25 bichos criada pelo Barão de Drummond, o pai do jogo da bicharada: "Deu "zebra", meu filho", disse Gentil Cardoso.
Todo mundo tem uma história de "zebra" para contar. E quem um dia jogou do lado da "zebra" tem a melhor de todas. Mas tem um jogo que é a mãe de todas as grandes "zebras" do futebol mundial, a que poucos de nós assistiram - a maioria nem ouviu falar - porque ele aconteceu há 62 anos, antes até de Gentil inventar o termo. Foi na Copa de 1950.
A Inglaterra, país que inventou o futebol, achava que, se as Copas serviam para consagrar o melhor time do mundo, então os ingleses nem precisava disputá-las, já que obviamente os melhores eram eles mesmos.
Até que em 1950 a Copa foi no Brasil e os ingleses decidiram vir. Nas eliminatórias, venceram sem dificuldades seus vizinhos de quintal ¬ Escócia, Irlanda do Norte e Gales ¬ e embarcaram certos de que a Copa seria uma formalidade, já que não encontrariam adversários à altura.
Na chave da Inglaterra estavam também a Espanha, o Chile e os Estados Unidos. Estes disputaram seu grupo eliminatório com o México, e tomaram duas bordoadas ¬ 6 X 0 e 6 X 2 ¬ mas, como na última hora muitos países desistiram de participar da Copa, acabou sobrando uma vaguinha para os americanos.
Americanos? Bom, o time era formado por um pessoal que de americano não tinha nem o nome: Borghi, Maca, Colombo, Pariani, João Souza... uma verdadeira catação de imigrantes apenas esforçados, já que nos Estados Unidos não havia profissionalismo, nem mesmo campeonatos nacionais.
Em 25 de junho de 1950, os Estados Unidos conseguem uma proeza histórica em sua estréia na Copa: perder só de três para os espanhóis, no Estádio Durival de Brito, em Curitiba. Os americanos fizeram muita festa e nem se preocuparam muito com a preparação para o jogo seguinte, contra a Inglaterra.
Era tempo perdido mesmo. Enquanto isso, no recém-inaugurado Maracanã, a Inglaterra burocraticamente vencia o Chile por 2 X 0, com um gol em cada tempo e sem gastar muita energia.
Veio o jogo Estados Unidos X Inglaterra. Cerca de 12 mil torcedores compareceram ao recém inaugurado Estádio Independência, em Belo Horizonte. Incrédulos, viram o time modesto dos Estados Unidos bater a toda poderosa Inglaterra, no que até hoje é considerado a "mãe de todas as zebras".
Contam que um redator de jornal em Londres, ao receber por teletipo a notícia do jogo, “England 0, USA 1”, não acreditou, achando que certamente teria ocorrido um erro na transmissão. E por conta própria preparou o texto com o que ele considerava o resultado “correto”: “England 10, USA 1”.
O gol americano aconteceu no único ataque da equipe no primeiro tempo: o médio McIlvenny, quase na linha do meio do campo, cobrou um lateral para Bahr. Este, levantou a bola na direção da área inglesa. O goleiro Williams saiu para fazer a defesa, mas foi surpreendido pelo atacante haitiano Gaetjeans, que desviou de cabeça a bola para dentro do gol.
O resto do jogo foi o ataque inglês contra a defesa americana. Ainda na primeira etapa foram 30 chutes a gol contra apenas 1 dos americanos, que redundou no gol. O capitão do "England Team", Billy Wright disse depois do jogo: “poderíamos ficar jogando o dia inteiro que o gol não sairia”.
Por incrivel que pareça, o time americano quase fez o segundo gol: no seu único contra-ataque na fase final, John Souza, aos 39 minutos ficou sozinho frente o goleiro Williams, mas chutou torto, para fora. Depois do jogo, os torcedores brasileiros invadiram o campo e carregaram nos braços o herói do jogo, Joe Gaetgens.
Ficha Técnica
Jogo: Estados Unidos 1 X 0 Inglaterra
Data: 29 de junho de 1950, quinta-feira
Horário: 15 horas
Local: Estádio Independência, Belo Horizonte (MG)
Público estimado: 12 000 pessoas
Gol: Gaetjeans (38 do 1°)
Juiz: Generozo Datillo (Itália), auxiliado por Galeatti (Itália) e Delasalle (França)
Estados Unidos: Borghi - Keough e Maca - McILvenny - Colombo e Bahr - Edward Souza - John Souza - Gaetjeans - Pariani e Mullen. Técnico – Williams Jeffery.
Inglaterra: Williams - Ramsey e Aston - Wright - Hughes e Dickinson - Finney
- Mortensen - Benley - Mannion e Mullen. Técnico – Walter Winterbottom.
Time dos Estados Unidos em 1950. Em pé: Jack Lyons - Joe Maca - Charlie Colombo - Frank Borghi - Harry Keough - Walter Bahr e Bill Jeffrey - Agachados: Frank Wallace - Ed McIlvenny - Gino Pariani - Joe Gaetjens - John "Clarkie" Souza e Ed Souza.
O filme qwue lembra a façanha norte americana.
O goleiro inglês, Bert Williams desolado após gol de Joe Gaetjens.
Mais uma foto do gol de Gaetgens.
O gol de Gaetgens.
Uma rara imagem do gol de Gaetjens: conta-se que os ingleses mandaram queimar todos os negativos.
Joe Gaetgens.
Lance do jogo Estados Unidos X Inglaterra.
Harry Keough tira a bola, ao lado do goleiro Frank Borghi.
Lance do jogo.
Harry Keough, dos Estados Unidos.
Charlie Colombo, dos Estados Unidos.
Lance do jogo Estados Unidos X Inglaterra.
Capitães Billy Wright da Inglaterra e Ed McIlvenny dos Estados Unidos, trocaram presentes antes do início da partida.
quinta-feira, 1 de março de 2012
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